Se você se acha velho é porque envelheceu mesmo. O que você pensa de você, é verdade. Afinal, ninguém te conhece melhor. O personagem de Oscar Wilde, para escapar do desgaste do tempo, em O Retrato de Dorian Gray, transferiu ao seu retrato na parede a missão de ganhar rugas e cabelos brancos, enquanto ele reinava pimpão na parada social, sempre jovem. Até que um dia a cena se inverte e o drama se revela. Para saber mais, tem que ler o livro. Este seria o problema oposto daquela pessoa que se acha velha, antecipando-se, inclusive, ao efeito do tempo.
O filósofo espanhol, Ortega y Gasset, apresenta um ponto de equilíbrio nessa equação afirmando, em sua obra O que é filosofia?, que temos o direito de assegurar nossa juventude, mesmo que o tempo já tenha pesado em nossas costas. Mas aí ele coloca ingredientes novos na conversa, que é nossa dimensão espiritual e nossa relação com a vida, com o viver.
Segundo Gasset, o espírito jovem é aquele que se encontra aberto ao diálogo com as gerações anteriores e subsequentes, mantendo a interlocução sobre valores da tradição, que se renovam a cada dia, diante das quais podemos e devemos nos posicionar defendendo nossos pontos de vista a fim de um aprendizado mútuo.
Dia desses eu andava com o meu filho nas proximidades da Ponte Pênsil e observei com os meus botões que as águas do Rio Piracicaba estavam se perdendo, esquálidas entre as pedras escuras e ressecadas. Os fatores que eu considerava? O declive, que as levava ao longe, e a evaporação, decorrente da alta temperatura. Além, obviamente, do alto consumo e da poluição. Mas a conversa ganhou outro caminho. Eu observei que as águas em estado líquido ficavam presas ao solo, mas poderiam muito bem cair no espaço, se não estivessem presas à superfície da terra pela gravidade. E que não temos noção se estamos em pé ou de ponta cabeça se considerarmos outras referências espaciais nessa observação.
Falamos sobre a relatividade de Albert Einstein, que tudo está posicionado em um suposto tecido invisível a partir do qual construímos nossa noção de tempo e espaço. Meu filho se lembrou que ao nos observarmos de algum outro planeta, dependendo da nossa localização, não teríamos como saber sequer onde estariam os continentes, se a Europa estaria à direita ou à esquerda da América. Dramático que sou, pensei: somado a tudo isso, também vivemos presos à superfície de nós mesmos. Saí de Narciso e me perdi no cosmos em três parágrafos. Mas avancemos.
Para certo grupo político, usar máscara contra o coronavírus é uma exigência insana e conspiratória de médicos e especialistas que se apoderam da ciência para nos controlar. Há políticos que usam desse expediente científico para ver se levam alguma vantagem na corrida pelas eleições presidenciais de 2022. Para a ala que se pinta de moderna, há os terraplanistas que, segundo ela, mal saíram do medievo e querem se impor num mundo com estratégia retrógrada, estouvada e perigosa. Até aqueles que votaram em um em detrimento do outro, para evitar que o outro voltasse ao poder escondido em um Cavalo de Tróia, ficam perdidos em terreno conturbado, onde se confundem ciência, natureza e valores morais, para os quais seria muito mais empolgante se deixar levar pelo humor nonsense construído por Campos de Carvalho em A chuva imóvel ou A lua vem da Ásia.
Terei de desenrolar este novelo e colocar luz filosófica nestes apontamentos aparentemente desconexos, para que não me considerem apenas mais um doente mental nesse mundo de loucos sem bússola e astrolábio, que não sabem mais distinguir conhaque de alcatrão de catraca de canhão. Nos próximos artigos serei mais didático e objetivo. Para finalizar, recordo que Einstein acreditava em Deus e poucos o superaram na ciência, porque ele sabia a diferença entre Platão e Hume. Einstein era antes de tudo um filósofo, como Gasset, ambos com capacidade de reflexão anos luz da briga política que assola o Brasil. Política, por sinal, que nos envelhece e não há espelho ou um quadro na parede onde possamos depositar nosso drama existencial.
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