Como era delicioso viajar nos vagões da Paulista, o trem azul.
Nasci em Rio Claro, interior de São Paulo, uma cidade ferroviária. As oficinas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro estava instalada lá, e dava empregos a muitos rioclarenses. Era interessante acompanhar a entrada e saída dos funcionários da ferrovia, eram milhares, e a maioria utilizava bicicletas para o deslocamento, e parecia um enxame com tantas bicicletas se movimentando ao mesmo tempo. Nas oficinas de Rio Claro eram feitas as manutenções nos vagões.
Unida, a nossa família viajava de Rio Claro para Jundiaí, São Carlos e Campinas.
Passageiros elegantes, carro Pullman, carros de Primeira e Segunda Classe e o delicioso Carro Restaurante.
Tinha o zeloso Guarda Trem picotando os bilhetes durante a viagem, o vendedor de revistas (Fatos e Fotos, Cruzeiro, Piadas de Papagaio…). O Garçom percorria toda composição com uma bandeja de apetitosos lanches de mortadela ou churrasquinho e também produtos da Antarctica, guaraná e cerveja em sacos de tecido com gelo, o que tornava as bebidas ainda mais gostosas.
Uma das marcas registradas dos trens, além da higiene e limpeza constante, era o respeito pelo horário. Não havia atraso de jeito nenhum, e olha que os horários de partida em Rio Claro eram 6.44 – 7.22 – 11.08 etc….sempre no horário.
Interessante que cursei o primário e o ginásio em uma escola perto de minha casa. Quando o trem das 7.18 apitava próximo a minha casa, era a senha para sair de casa e ir para a escola. Foram 8 anos e NUNCA atrasou. Chegávamos sempre no horário do início das aulas.
Em todos os vagões havia bebedouro com água mineral e copos descartáveis. A disputa dos garotos era para ficar na janelinha. Por elas íamos observando a paisagem das cidades de vários tamanhos, a mata, os rios e também os trens que cruzavam em sentido contrário.
Lembro que tinha o trem de combustível, o trem cegonha transportando os Fuscas, o trem boiadeiro com o gado espremido e o cheiro característico, os vagões transportando grãos e muito mais.
Tudo ia pelos trilhos. Algumas estações tinham características interessantes como:
Itirapina: o trem se dividia em duas partes, a primeira seguia para Araraquara e a segunda para Panorama, final da linha.
Campinas: uma estação imponente que tinha túnel para atravessar por debaixo dos trilhos.
Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br
Jundiaí: onde acontecia as trocas das locomotivas azuis da Paulista pelas vermelhas da Santos/Jundiaí. No trecho São Paulo/Jundiaí as vermelhas, e Jundiaí para o interior, as azuis. Era muito gostoso acompanhar o trabalho de troca das máquinas. Na estação de Jundiaí, também havia uma pipoca cheirosa e deliciosa que os meninos vendiam assim que as composições chegavam.
Rio Claro: também uma estação ampla e com um bar central que oferecia salgados fritos na hora, especialmente uma coxinha que era o grande destaque.
Finalmente a Estação da Luz, uma poesia de arquitetura. Era um sonho, o movimento frenético de passageiros chegando e partindo, e as variadas composições de trens de longo percurso e os trens subúrbio ligando a Grande São Paulo.
As fotos anexadas certamente aumentarão as saudades e farão lembrar o respeito que tínhamos pela competente história ferroviária do nosso Brasil.
Como puderam acabar com tudo isso?! Na contramão do mundo, que preservou e incentivou o transporte ferroviário, nós fomos vítima de ações e atitudes que começaram com a retirada da linha de energia elétrica que servia quase todos os trilhos, para voltar o diesel e o total sucateamento das estações e da própria malha ferroviária.
Ah! Quem pode viver e aproveitar este período tem muito a lembrar e agradecer. Quem veio depois, só a história e as pesquisas na internet.
Mas, tem surgido uma linha do fim desse túnel ferroviário: o governo federal tem incentivado a construção de novas ferrovias com o Marco das Ferrovias, aprovado no Senado em 13.12.2021.
O Marco das Ferrovias é uma medida que reduz a burocracia para a construção de novas ferrovias e inova no aproveitamento de trechos ociosos e na prestação do serviço de transporte ferroviário com participação mínima do Estado, tanto em nível federal, quanto estadual e municipal, e contém ainda definições técnicas para harmonizar a legislação do setor.
Para nós, apaixonados por trilhos, será o retorno do transporte bom, barato e eficiente. Vamos torcer!
Algumas Fontes:
– AMBEV
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